Rasparam a palavra sexualidade do quadro negro,
como se fosse suja,
como se o corpo tivesse vergonha de existir.
Não disseram
que o silêncio também é doutrina,
e que omitir é um verbo afiado.
Os rapazes vão continuar a rir-se das meninas no balneário,
as raparigas vão continuar a sangrar em segredo,
e ninguém vai ensinar a nenhum deles
o que significa tocar com respeito.
Apagaram identidades com um pano seco,
como se pudessem ser varridas,
como se o amor tivesse versão oficial.
Os professores vão ser treinados para falar de poupanças,
mas não de consentimento,
e os alunos vão aprender a construir startups,
mas não a reconhecer um abuso.
O Estado quer cidadãos que saibam contar,
mas não questionar,
quer corpos contidos,
gestos seguros,
discursos limpos,
e o medo bem domesticado.
A nova cidadania é um quadro Excel,
onde não cabe a pele.
No fundo,
é sempre mais fácil controlar uma criança
que não conhece o seu próprio nome.
(Este poema nasce como resposta à proposta do Governo português,
apresentada em julho de 2025, de retirar os conteúdos obrigatórios sobre
sexualidade, identidade de género e saúde reprodutiva do currículo da
disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
Sob o pretexto de “libertar a disciplina das amarras ideológicas”, apaga-se
aquilo que é mais urgente: o conhecimento do corpo, do respeito, do
consentimento, da diversidade.
“Manual de Obediência” denuncia esta tentativa de silenciar temas
fundamentais à formação de uma consciência livre e informada. Porque ensinar
cidadania sem falar de sexualidade é ensinar obediência sem questionamento, e
isso não é educação, é condicionamento.)
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