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segunda-feira, 21 de julho de 2025

Manual de Obediência / J.M.J.

Rasparam a palavra sexualidade do quadro negro,

como se fosse suja,

como se o corpo tivesse vergonha de existir.

 

Não disseram

que o silêncio também é doutrina,

e que omitir é um verbo afiado.

 

Os rapazes vão continuar a rir-se das meninas no balneário,

as raparigas vão continuar a sangrar em segredo,

e ninguém vai ensinar a nenhum deles

o que significa tocar com respeito.

 

Apagaram identidades com um pano seco,

como se pudessem ser varridas,

como se o amor tivesse versão oficial.

 

Os professores vão ser treinados para falar de poupanças,

mas não de consentimento,

e os alunos vão aprender a construir startups,

mas não a reconhecer um abuso.

 

O Estado quer cidadãos que saibam contar,

mas não questionar,

quer corpos contidos,

gestos seguros,

discursos limpos,

e o medo bem domesticado.

 

A nova cidadania é um quadro Excel,

onde não cabe a pele.

 

No fundo,

é sempre mais fácil controlar uma criança

que não conhece o seu próprio nome.

 

 

(Este poema nasce como resposta à proposta do Governo português, apresentada em julho de 2025, de retirar os conteúdos obrigatórios sobre sexualidade, identidade de género e saúde reprodutiva do currículo da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.

Sob o pretexto de “libertar a disciplina das amarras ideológicas”, apaga-se aquilo que é mais urgente: o conhecimento do corpo, do respeito, do consentimento, da diversidade.

“Manual de Obediência” denuncia esta tentativa de silenciar temas fundamentais à formação de uma consciência livre e informada. Porque ensinar cidadania sem falar de sexualidade é ensinar obediência sem questionamento, e isso não é educação, é condicionamento.)

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