Não foi música,
foi medo em forma de agulha,
escondida entre multidões
que fingiam celebrar a rua.
Chamaram-lhe festa,
mas o que dançava
era o pânico
no olhar das mulheres sozinhas.
Anunciaram nas redes:
"piquem-nas."
Como se o corpo delas fosse
território para feridas anónimas.
Não gritavam,
sentiam a pele rasgada
num segundo,
e o vazio a escorrer na dúvida:
foi só uma picada…
ou veneno,
ou esquecimento?
Homens riam nas sombras,
orgulhosos de gestos covardes,
num ritual moderno
de domínio e humilhação.
Não era heroína,
não era amor,
não era erro.
Era controlo.
Era a velha guerra contra o feminino
disfarçada de brincadeira viral.
E os corpos,
esses mapas sagrados,
ficaram marcados
pela nova linguagem do medo:
uma agulha,
uma ferida,
um silêncio.
(Este poema não é um lamento, é uma acusação.
Escrevi-o a sangue frio, como resposta à normalização do terror que se
infiltra nas ruas disfarçado de festa, entre música e multidões.
Agulha Fria é o nome que dou a esta nova forma de covardia: um gesto quase
invisível, mas brutal, que transforma o corpo feminino em campo de guerra
silenciosa.
Não é exagero, não é metáfora vazia — é realidade crua, documentada,
ignorada por muitos, tolerada por demais.
Neste poema, não há heróis nem finais felizes.
Há apenas a urgência de não deixar estas feridas tornarem-se hábito.
Porque cada mulher picada sem razão carrega uma pergunta que devia
envergonhar o mundo inteiro:
"Porque é que isto continua a ser possível?"
João
Julho de 2025)
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