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sábado, 19 de julho de 2025

Agulha Fria / J.M.J.

Não foi música,

foi medo em forma de agulha,

escondida entre multidões

que fingiam celebrar a rua.

 

Chamaram-lhe festa,

mas o que dançava

era o pânico

no olhar das mulheres sozinhas.

 

Anunciaram nas redes:

"piquem-nas."

Como se o corpo delas fosse

território para feridas anónimas.

 

Não gritavam,

sentiam a pele rasgada

num segundo,

e o vazio a escorrer na dúvida:

foi só uma picada…

ou veneno,

ou esquecimento?

 

Homens riam nas sombras,

orgulhosos de gestos covardes,

num ritual moderno

de domínio e humilhação.

 

Não era heroína,

não era amor,

não era erro.

 

Era controlo.

 

Era a velha guerra contra o feminino

disfarçada de brincadeira viral.

 

E os corpos,

esses mapas sagrados,

ficaram marcados

pela nova linguagem do medo:

uma agulha,

uma ferida,

um silêncio.

 

 

 

(Este poema não é um lamento, é uma acusação.

Escrevi-o a sangue frio, como resposta à normalização do terror que se infiltra nas ruas disfarçado de festa, entre música e multidões.

Agulha Fria é o nome que dou a esta nova forma de covardia: um gesto quase invisível, mas brutal, que transforma o corpo feminino em campo de guerra silenciosa.

Não é exagero, não é metáfora vazia — é realidade crua, documentada, ignorada por muitos, tolerada por demais.

Neste poema, não há heróis nem finais felizes.

Há apenas a urgência de não deixar estas feridas tornarem-se hábito.

Porque cada mulher picada sem razão carrega uma pergunta que devia envergonhar o mundo inteiro:

"Porque é que isto continua a ser possível?"

João

Julho de 2025)

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