A poesia não se escreve,
acontece-te,
no silêncio que te pesa ao acordar,
no gesto contido de responder “sim”
quando querias dizer “adeus”.
Ela vive nas ruas que voltas a percorrer,
com os pés no presente
e o peito a sangrar lembranças antigas,
onde o ar parece apertar,
como se cada esquina te acusasse de ter sentido demais.
Está no desejo que te trai,
não por ser falso,
mas por não caber no corpo
nem na hora marcada.
Está no amor que tens,
e no vazio que teima em não partir,
como se a tua alma só reconhecesse
o que está por vir
e não o que está à mão.
A poesia mora no lugar onde pensas fugir,
na aldeia imaginada,
longe de tudo,
mas também no café onde nunca entraste
com um amigo que ainda não chegou.
Está no céu,
onde Mercúrio caminha de costas,
tocando a tua Vénus,
como quem te pede que olhes de novo
para os afetos gastos,
e descubras neles um novo brilho.
Não é rima, nem métrica,
nem forma polida.
É o modo como olhas para ti,
sem máscaras,
mesmo quando te sentes desencontrado.
A poesia não precisa de ti perfeito,
precisa de ti presente.
E tu,
sem o saberes,
já és verso
em cada dúvida que te dói.
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