Há quem caminhe entre os outros
com a pele em carne viva,
como se o amor só pudesse ser real
se tocasse a alma sem hesitação,
sem camadas, sem medo.
Carrega um ideal nas entranhas,
tecido com luz e espanto,
como quem nasceu para um amor que
salve,
que revele, que eleve,
sem um único erro de pronúncia.
Mas o mundo não fala essa língua,
e oferece pedaços, tentações
mornas,
abraços que não chegam ao osso,
gestos honestos, mas rasos,
ou apenas humanos.
E então, o que fazer com a verdade
que arde?
Com o silêncio que se aprende a
vestir
para não assustar os outros?
Com o dom que se transforma em
máscara,
porque ser inteiro é demais?
Há quem conheça cem rostos
e, ainda assim, sinta a ausência
como um animal faminto a uivar
num quarto sem janelas,
e, mesmo assim, fique.
Fique por gratidão, por pacto,
por lealdade a um amor antigo,
ou apenas por não saber
se há outro lugar onde a alma
possa pousar sem pedir desculpa.
Mas o espelho não mente,
ele mostra, sem piedade,
que o ideal não é castigo,
mas também não é desculpa
para apagar-se em nome de um bem
menor.
Quem nasce com sede do sagrado
não se sacia com migalhas,
mas também não precisa morrer à
fome,
pois há pão, mesmo no deserto,
se os olhos aprenderem a vê-lo.
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