Seguidores

domingo, 20 de julho de 2025

Espelho em carne viva / J.M.J.

Há quem caminhe entre os outros

com a pele em carne viva,

como se o amor só pudesse ser real

se tocasse a alma sem hesitação,

sem camadas, sem medo.

 

Carrega um ideal nas entranhas,

tecido com luz e espanto,

como quem nasceu para um amor que salve,

que revele, que eleve,

sem um único erro de pronúncia.

 

Mas o mundo não fala essa língua,

e oferece pedaços, tentações mornas,

abraços que não chegam ao osso,

gestos honestos, mas rasos,

ou apenas humanos.

 

E então, o que fazer com a verdade que arde?

Com o silêncio que se aprende a vestir

para não assustar os outros?

Com o dom que se transforma em máscara,

porque ser inteiro é demais?

 

Há quem conheça cem rostos

e, ainda assim, sinta a ausência

como um animal faminto a uivar

num quarto sem janelas,

e, mesmo assim, fique.

 

Fique por gratidão, por pacto,

por lealdade a um amor antigo,

ou apenas por não saber

se há outro lugar onde a alma

possa pousar sem pedir desculpa.

 

Mas o espelho não mente,

ele mostra, sem piedade,

que o ideal não é castigo,

mas também não é desculpa

para apagar-se em nome de um bem menor.

 

Quem nasce com sede do sagrado

não se sacia com migalhas,

mas também não precisa morrer à fome,

pois há pão, mesmo no deserto,

se os olhos aprenderem a vê-lo.

Sem comentários:

Enviar um comentário