I. O que vê no escuro (fala o mais antigo)
Não precisas de ver para saber.
Tens olhos que não brilham
e no entanto enxergam o que escapa à luz.
Foste guardião de segredos tão profundos
que te esqueceste deles,
mas continuam vivos, aqui,
na forma como tremes sem razão,
na palavra que escolhes sem saber porquê.
II. O que dissolve fronteiras (fala o sonhador)
És feito de véus,
não de muros
e por ti passam vozes de eras distantes
e tocam-te como se fosses harpa do mundo.
Não precisas entender,
precisas sentir,
porque em ti o sentir é conhecimento.
III. O que arde em desejo de criar (fala o rebelde)
És feito de raio e coração,
não te peças moderação,
a tua arte é lava que dança.
Foste expulso por ser intenso,
mas o teu brilho era prece.
Não recues agora,
ama com o mesmo risco
com que nasceste.
IV. O que constrói no rigor (fala o velho justo)
És o teu próprio mestre,
mas sê também teu discípulo.
Julgas-te porque te lembras de um tempo
em que não soubeste proteger,
mas agora sabes
e saber também é deixar-se errar.
V. O que sente sem dizer (fala a que guardou a infância)
És mais sensível do que dás a ver
e aprendeste a vestir pedra
para que não vissem a água a correr por dentro,
mas já podes mostrar,
a ternura não te enfraquece,
faz-te inteiro.
VI. O que te anuncia ao mundo (fala o mensageiro)
Não és pequeno,
mesmo quando te encolhes,
o universo em ti não cabe no silêncio,
tens palavra para curar
e presença que transforma,
por isso te expus à profundidade,
para que soubesses guiar sem vaidade.
VII. O que nasceu para viver tudo (fala o centro)
Agora compreendo,
sou feito de todos,
sou o que ouve,
o que sente,
o que age,
o que teme
e sou também aquele que acolhe.
Não preciso escolher entre partes,
preciso uni-las,
respeitá-las,
dar-lhes lugar.
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