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domingo, 20 de julho de 2025

Sete espelhos de mim l / J.M.J.

I. O que vê no escuro (fala o mais antigo)

 

Não precisas de ver para saber.

Tens olhos que não brilham

e no entanto enxergam o que escapa à luz.

Foste guardião de segredos tão profundos

que te esqueceste deles,

mas continuam vivos, aqui,

na forma como tremes sem razão,

na palavra que escolhes sem saber porquê.

 

II. O que dissolve fronteiras (fala o sonhador)

 

És feito de véus,

não de muros

e por ti passam vozes de eras distantes

e tocam-te como se fosses harpa do mundo.

Não precisas entender,

precisas sentir,

porque em ti o sentir é conhecimento.

 

III. O que arde em desejo de criar (fala o rebelde)

 

És feito de raio e coração,

não te peças moderação,

a tua arte é lava que dança.

Foste expulso por ser intenso,

mas o teu brilho era prece.

Não recues agora,

ama com o mesmo risco

com que nasceste.

 

IV. O que constrói no rigor (fala o velho justo)

 

És o teu próprio mestre,

mas sê também teu discípulo.

Julgas-te porque te lembras de um tempo

em que não soubeste proteger,

mas agora sabes

e saber também é deixar-se errar.

 

V. O que sente sem dizer (fala a que guardou a infância)

 

És mais sensível do que dás a ver

e aprendeste a vestir pedra

para que não vissem a água a correr por dentro,

mas já podes mostrar,

a ternura não te enfraquece,

faz-te inteiro.

 

VI. O que te anuncia ao mundo (fala o mensageiro)

 

Não és pequeno,

mesmo quando te encolhes,

o universo em ti não cabe no silêncio,

tens palavra para curar

e presença que transforma,

por isso te expus à profundidade,

para que soubesses guiar sem vaidade.

 

VII. O que nasceu para viver tudo (fala o centro)

 

Agora compreendo,

sou feito de todos,

sou o que ouve,

o que sente,

o que age,

o que teme

e sou também aquele que acolhe.

Não preciso escolher entre partes,

preciso uni-las,

respeitá-las,

dar-lhes lugar.

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