Disse:
anda sete passos comigo,
e depois dispara.
Não implorou,
não chorou,
não pediu a um deus que já a tinha abandonado,
apenas caminhou,
com os pés nus sobre o orgulho dos homens.
O amor era o crime,
a liberdade, a sentença.
E a honra?
A honra vinha de cano levantado,
de dedo nervoso,
de ódio herdado.
Ninguém chorou os corpos,
só os filmou,
para que o sangue servisse de exemplo.
A bala foi a palavra final
do irmão ferido no ego,
do ancião ferido na tradição,
de uma religião ferida na ternura.
Ela só queria viver
com ele,
e ele com ela,
não pediram bênçãos,
não precisavam,
tinham-se um ao outro.
E isso bastava
para morrer.
O amor não tem tribo,
nem fronteira,
nem pai a quem pedir autorização.
Mas ali,
num vale qualquer do Baluchistão,
o amor foi degolado à luz do dia,
com a bênção dos silêncios.
E agora?
Há justiça possível
quando a culpa mora nas fundações do templo?
Quando a religião tapa os olhos,
e a família fecha as portas,
e o Estado limpa as mãos?
Não, não há paz possível
enquanto um pai puder matar uma filha
com a certeza de que Deus o entende.
Que este poema
seja pedra atirada contra os deuses
que mandam matar em nome da ordem,
e que os sete passos dela
ecoem
no chão onde ainda se mata
por amar.
(Este poema nasce da dor crua e revoltante provocada pela notícia do
assassinato de um jovem casal no Paquistão, executado por se ter casado sem a
aprovação das suas famílias, um chamado crime de honra, expressão que, por si
só, carrega já a violência da mentira.
Não há honra onde há sangue inocente.
Não há cultura que justifique um disparo à queima-roupa contra dois seres
humanos que ousaram amar.
O que se passou em Deghari, província do Baluchistão, onde Bano Bibi e
Ahsan Ullah foram mortos a mando de um ancião tribal, revela não apenas a
brutalidade de tradições arcaicas sustentadas por estruturas patriarcais e
religiosas, mas também a falência moral de um sistema que ainda hoje permite
que o amor seja punido com a morte.
O silêncio cúmplice da comunidade, a ausência de familiares a exigir
justiça, e o facto de este crime só ter ganho atenção por ter sido filmado e
tornado viral, dizem tudo sobre a indiferença institucional e social perante o
sofrimento das mulheres e homens que apenas procuram viver com dignidade e
liberdade.
Este poema é um grito.
Contra a tirania da tradição.
Contra o fanatismo que chama a si o direito de decidir quem vive e quem
morre.
E contra qualquer divindade ou doutrina que abençoe o ódio em nome da
moral.
Que os sete passos desta jovem, dita com firmeza antes da execução, ecoem
para sempre como símbolo de uma coragem que nos envergonha a todos.
Ela não pediu clemência.
Ela pediu para caminhar.
E foi morta por isso.
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