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segunda-feira, 21 de julho de 2025

Sete Passos no Fogo / J.M.J.

Disse:

anda sete passos comigo,

e depois dispara.

 

Não implorou,

não chorou,

não pediu a um deus que já a tinha abandonado,

apenas caminhou,

com os pés nus sobre o orgulho dos homens.

 

O amor era o crime,

a liberdade, a sentença.

E a honra?

A honra vinha de cano levantado,

de dedo nervoso,

de ódio herdado.

 

Ninguém chorou os corpos,

só os filmou,

para que o sangue servisse de exemplo.

 

A bala foi a palavra final

do irmão ferido no ego,

do ancião ferido na tradição,

de uma religião ferida na ternura.

 

Ela só queria viver

com ele,

e ele com ela,

não pediram bênçãos,

não precisavam,

tinham-se um ao outro.

 

E isso bastava

para morrer.

 

O amor não tem tribo,

nem fronteira,

nem pai a quem pedir autorização.

 

Mas ali,

num vale qualquer do Baluchistão,

o amor foi degolado à luz do dia,

com a bênção dos silêncios.

 

E agora?

Há justiça possível

quando a culpa mora nas fundações do templo?

Quando a religião tapa os olhos,

e a família fecha as portas,

e o Estado limpa as mãos?

 

Não, não há paz possível

enquanto um pai puder matar uma filha

com a certeza de que Deus o entende.

 

Que este poema

seja pedra atirada contra os deuses

que mandam matar em nome da ordem,

e que os sete passos dela

ecoem

no chão onde ainda se mata

por amar.

 

 

(Este poema nasce da dor crua e revoltante provocada pela notícia do assassinato de um jovem casal no Paquistão, executado por se ter casado sem a aprovação das suas famílias, um chamado crime de honra, expressão que, por si só, carrega já a violência da mentira.

Não há honra onde há sangue inocente.

Não há cultura que justifique um disparo à queima-roupa contra dois seres humanos que ousaram amar.

O que se passou em Deghari, província do Baluchistão, onde Bano Bibi e Ahsan Ullah foram mortos a mando de um ancião tribal, revela não apenas a brutalidade de tradições arcaicas sustentadas por estruturas patriarcais e religiosas, mas também a falência moral de um sistema que ainda hoje permite que o amor seja punido com a morte.

O silêncio cúmplice da comunidade, a ausência de familiares a exigir justiça, e o facto de este crime só ter ganho atenção por ter sido filmado e tornado viral, dizem tudo sobre a indiferença institucional e social perante o sofrimento das mulheres e homens que apenas procuram viver com dignidade e liberdade.

Este poema é um grito.

Contra a tirania da tradição.

Contra o fanatismo que chama a si o direito de decidir quem vive e quem morre.

E contra qualquer divindade ou doutrina que abençoe o ódio em nome da moral.

Que os sete passos desta jovem, dita com firmeza antes da execução, ecoem para sempre como símbolo de uma coragem que nos envergonha a todos.

Ela não pediu clemência.

Ela pediu para caminhar.

 

E foi morta por isso.

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