Nasci do erro
antes de saber o que era erro,
e fui lançado ao mundo
como quem lança
uma semente ao mar.
Herdei um nome que ninguém ousava
dizer,
um silêncio escrito dentro de um
barril,
um ventre de madeira que me embalou
até à margem dos que não perguntam.
Cresci entre cânticos
e gestos puros,
mas o sangue,
o sangue conhecia os seus caminhos,
e reencontrei sem saber
o ventre que me gerou.
Fiz casa sobre a mesma ferida,
amei o espelho
que me devolvia à origem.
Quando soube, caí,
e caí com tudo;
a alma despida,
o corpo exilado.
Escolhi a rocha,
não como punição,
mas como espera.
Deixei que o tempo me corroesse,
que o sal me calasse a voz,
que a fome me ensinasse
o que é ser carne
e querer ser luz.
Apenas um peixe
lembrava-me que eu não era
esquecido.
Dezessete vezes o mundo girou
sem mim,
e eu tornei-me
pedra que sabe o meu nome.
Quando me vieram buscar,
não fui eu que subi,
foi o silêncio que me ergueu.
Poema baseado na história de
Gregório, contada no século XIII, por Hartmann von Aue na obra Gregorius. No
século XX, Thomas Mann reescreveu-a sob o título Der Erwählte (O Eleito),
publicado em 1951. Ambas as versões relatam a vida de um homem nascido do incesto,
que repete esse destino sem saber, cumpre longa penitência e é mais tarde
eleito Papa.
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