Seguidores

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Chefe Sem Trono / J.M.J.

Um tribunal passou a mão pela testa

e descobriu que o rosto era falso.

 

A casa estava erguida sobre papel molhado,

as cadeiras ocupadas por sombras,

e a voz que gritava ordem

não tinha nome no registo.

 

As eleições foram espetáculo

sem lei,

sem corpo válido,

sem povo por dentro.

 

Os fiéis calam,

os exaustos falam,

chamam-lhe projeto pessoal,

chamam-lhe autocracia,

chamam-lhe Chega.

 

Agora o líder está nu,

mas ainda finge poder,

como se os gritos cobrissem a nudez

e os aplausos servissem de certidão.

 

Um partido sem órgãos

é um corpo sem coração,

e o sangue,

meu irmão,

começa a coagular no centro do medo.

 

Não há mais desculpa processual,

nem cortina ideológica,

nem povo cego,

há um rasto de fraude que fede

até nos corredores do palácio.

 

E se o povo souber,

se escutar o estalido da casca,

se vir os alicerces a ceder,

quem sustenta o mito?

 

Um chefe sem trono

é só um homem de megafone

a gritar para ninguém.

 

 

(Este poema foi escrito na sequência da decisão definitiva do Tribunal Constitucional português que invalida as eleições internas do Chega realizadas em janeiro de 2024, confirmando que o partido se encontra, legalmente, sem órgãos dirigentes válidos.

Chefe Sem Trono denuncia a fragilidade de um projeto político que se apresenta como defensor da ordem, mas vive mergulhado no desrespeito pelas próprias regras. A anulação judicial revela não apenas uma falha técnica, mas uma estrutura assente na manipulação e na personalização do poder.

As consequências reais desta decisão são graves: o Chega continua a atuar no espaço público sem legitimidade orgânica, o que fragiliza o seu posicionamento institucional e expõe o vazio democrático da sua liderança. Na opinião pública, esta queda de máscara poderá aprofundar divisões internas, gerar perda de confiança entre os seus apoiantes mais críticos e alimentar o descrédito de quem já via neste partido mais culto de personalidade do que projeto coletivo.

Num tempo em que a democracia é testada por dentro, é vital reconhecer: um partido que não respeita a democracia interna não está preparado para governar em nome de um povo livre.)

 

Sem comentários:

Enviar um comentário