Há um murmúrio a crescer
por baixo das cidades,
um estremecimento fino
que a maioria ainda não ouve.
É o som de um limite,
de um contorno que se aproxima,
como um animal cansado
que regressa ao lugar onde nasceu
para lembrar o que foi esquecido.
A espécie pensante,
na sua pressa cega,
insiste em acreditar
que nada ruirá
enquanto houver luz elétrica
e voz nas máquinas.
Mas o colapso não chega
como uma explosão;
chega como erosão,
como um fio que se quebra
depois de ter avisado
mil vezes no silêncio.
O mundo não cai por falta de recursos;
cai quando o coração da espécie
se fecha num punho
e a inteligência se torna cálculo.
Cai quando o poder se aperta
numa só mão
e chama destino
ao seu próprio reflexo.
A civilização
não é destruída por inimigos:
é corroída por dentro
por uma sombra antiga
que voltámos a nutrir,
a fome de domínio
travestida de progresso.
E, no entanto,
entre estas rachaduras
há ainda um ponto de escolha,
uma dobra mínima do tempo
onde a espécie pode recuperar o fôlego
e lembrar o que a trouxe até aqui:
o dom de pensar com a alma
e não apenas com o medo.
Se há um aviso,
ele é este:
não é o mundo que está a ser testado,
somos nós.
E a linha que se aproxima
é fina apenas para quem não olha;
mas, para quem vê,
já é um sulco profundo
a pedir mudança.
O futuro não está escrito,
mas está a pedir voz.
E cada gesto de lucidez,
cada recusa do cinismo,
cada ato que devolva humanidade ao humano
é uma pedra retirada
do desfiladeiro onde nos colocámos.
Este é o alerta,
não para assustar,
mas para acordar,
porque ainda há tempo,
mas já não há excesso.
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