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sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Antes do Incêndio

Algo começa

quando já não há como fingir.

 

As promessas tornam-se ocas,

as palavras repetem-se

como moedas gastas,

e a fé, usada em excesso,

racha nas mãos.

 

Há um cansaço coletivo,

não do sofrimento,

mas da mentira que o envolve.

O mundo já não acredita

no discurso que consola

sem tocar a ferida.

 

O que foi chamado sagrado

deixa de proteger,

o que governava pelo medo

treme,

o que confundia esperança

com submissão

já não sustém o peso do real.

 

Não é o fim do caos,

é o fim da desculpa.

 

Muitos procurarão culpados,

outros chamarão castigo

ao que é consequência,

mas não haverá deuses a gritar,

nem sinais no céu,

apenas a matéria a exigir verdade.

 

Relações serão revistas,

alianças desfeitas,

acordos rasgados

não por ódio,

mas por exaustão moral.

 

O invisível cairá sobre o concreto:

dívidas,

segredos,

abusos antigos,

tudo o que foi empurrado

para baixo do tapete do tempo.

 

E haverá raiva,

clara, crua,

sem retórica,

não como revolução,

mas como recusa:

não mais assim.

 

Alguns tentarão reacender mitos,

outros vender salvação,

outros pedir obediência

em nome da ordem,

mas a linguagem antiga

já não convence.

 

O que começa

não pede crença,

mas responsabilidade,

não promete redenção,

apenas trabalho,

não oferece conforto,

apenas limite,

não ergue heróis,

exige maturidade. 

 

E talvez seja isso

o mais difícil de aceitar:

que o mundo não está a morrer,

está a perder as ilusões

que o impediam de crescer.

 

Depois,

só depois,

poderá haver fogo criador,

mas antes,

terá de arder

o que nunca foi verdadeiro.

 

 

(Este poema nasce da observação crítica do funcionamento das instituições políticas, económicas e simbólicas que moldam a vida coletiva. Refere-se ao ano de 2026 como um tempo de transição e confronto, marcado pelo esgotamento de modelos de poder sustentados na manipulação do medo, na simplificação do discurso público e na delegação sistemática da responsabilidade. Não antecipa acontecimentos concretos, mas expõe dinâmicas já em curso: a crise de legitimidade das lideranças, a fragilidade das narrativas de autoridade e a urgência de uma ética política adulta, capaz de responder à realidade sem recorrer a mitos, salvadores ou ilusões de controlo.)

 

 

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