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quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Sou Tantos

Sou tantos,

que me confundo.

Nem sempre sei

o que se move

em cada um de mim.


Surpreendo-me,

quando me reencontro,

entristeço-me,

quando me traio

sem perceber.

 

Simplifico o caminho

para os que chegam cansados,

por tantas voltas,

e de tanto fugir.


Acrescento degraus

aos que insistem,

imersos em ilusões,

envoltos em nevoeiros.


E jogo com palavras

numa conversa oblíqua,

para que todos se analisem

e falem de mim

sem saber.

 

Sou tantos.

E ainda assim,

sou eu.

 

Roseirais

Temos tudo

ou quase tudo.

Há quem tenha

quase nada

ou nada.

Estes trilhos

de roseirais

são brincadeiras

aos desertos

da existência.

 

Na inocência,

qualquer manhã,

que bom seria,

se fosse cinzenta,

apenas pela nuvem

que escondeu o Sol.

Caminho

Aprendo no contraste,

cresço nos diálogos.


Mestre dos erros que encontro,

no querer que me corrige.


Vagueio, errante,

à procura de nós.


E a cada dia,

encontro-me

no desenho do caminho

que me leva até ti.

 

Caminho,

em dois,

sentido.

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Sou

Sou fiel à paz que habita o vento,

discípulo dos segundos que escapam sem som,

aprendiz das vielas do tempo,

construtor do meu próprio labirinto,

caminho onde o sol e a lua se entrelaçam,

entregando-me, deliberadamente, à perdição para me encontrar.

 

Serei a flor que explode na sombra,

sedenta do silêncio que habita o fundo do abismo,

nasce de mim a poesia que procuro,

como borboletas que rasgam o ar da Primavera,

reciclo os ecos das palavras que a corrente esqueceu,

alimento-me da luz que se desfaz na noite,

ergo-me dos sonhos dilacerados pelo tempo,

amo quem se entrelaça no respeito,

mas fujo das garras vorazes

de quem se perde na própria obsessão.

 

Tenho a idade do tempo que nunca se revela,

onde as horas se quebram como vidro sobre sombras,

e, entre gritos e suspiros,

lutei, sem corpo, para tocar a essência da felicidade.

 

 

Amanhã e depois

O conflito pela sublimidade

impacienta o entendimento

daqueles que se preservam

no caminho das estruturas,

viciados num poder

que se absoluta e se contrai,

sem vislumbrarem as derrotas

necessárias à evolução.

 

Nos céus desenha-se,

com ângulos de tarefas,

a ordem temporal da vida,

sujeita ao caos.

 

A dona da noite

tomba no túmulo sagrado,

enquanto o guerreiro

exila-se na persistência do tesouro.

 

O vento sopra do mar,

coagido de incontrolada tempestade,

com o intuito de dissolver

o reino obtuso e circunflexo,

acastelado de desumanidade.

 

Soltar-se-ão as esperanças

na confusão do terrífico,

e os que julgarem ter morrido

estarão renovados de consciência.

 

Outros sucumbirão cegos,

inabaláveis de orgulho,

e, mesmo que vivos,

não mais serão lançados

ao levante do conhecimento.

 

A noite será assombrosa de inquietação,

sem vigília que a ilumine.

os uivos dos lobos,

enfurecidos, famintos de vingança,

perder-se-ão no deserto,

sem dunas que os amparem,

nem cadeira que os sustente.

 

Amanhã e depois.

 

 

Nau Perdida

Na hesitação que antecede o ímpeto,

o pensamento luta, nau sem âncora,

aprisionado às teorias de um vencedor solitário.

 

Cercado por um oceano de dúvidas e sombras,

sente-se frágil a embarcação à deriva,

no desassossego revolto das marés,

onde cada onda é uma passagem,

e o leme das emoções vacila na tormenta.

 

O céu, denso de luto e silêncio,

nega constelações ao olhar errante,

os espíritos das estrelas não guiam o instinto,

e a terra torna-se miragem distante,

não idealizada entre o desejo e o medo.

 

O porto, outrora promessa de abrigo,

dissolve-se na névoa das incertezas,

onde o pragmatismo da falsa calmaria

se entrelaça às utopias das verdades fugidias,

e as amarras que pendem à proa do futuro

desfazem-se na correnteza do tempo.

 

Sem ventos de esperança a inflar as velas,

sem praias que acendam promessas de chegada,

a nau cede ao peso do próprio vazio,

como fateixa lançada ao abismo dos medos,

afundando-se na tristeza sem margens da própria existência.

 

 (Poema in (Re)cantos da Lua, publicado em Dezembro de 2006, pela Magda Editora)

 

Fingidor

Escrevo-me a cada dia,

passo a limpo as palavras

que se me escapam,

tentando, no silêncio do papel,

fingir-me de poeta.

 

A caneta, exausta,

já não consegue traçar mais sonhos,

não tem tinta,

não tem alma.

Restam-me apenas as linhas vazias

onde o pensamento se perde,

sem conseguir tocar o que um dia fui.


(Poema in (Re)cantos da Lua, publicado em Dezembro de 2006, pela Magda Editora)

Não Sei

Eu pensava de ti

o que queria sentir

e acreditava no que via,

quando exibias para mim

o que eu, em ti, desejava.

 

Eu não sei quem tu és,

tu também não.


(Poema in (Re)cantos da Lua, publicado em Dezembro de 2006, pela Magda Editora)



Procura

Dói-me, nas palavras,

o sentido que não emprego,

a vontade que encubro.


No vazio significado

dos meus sentimentos,

sinto-me perdido,

sonhando com a coragem

de me encontrar.


Doem-me as memórias

deste corpo

envelhecido de crescer,

que espera sucumbir,

compreendendo

a pureza do amor.


(Poema in (Re)cantos da Lua, publicado em Dezembro de 2006, pela Magda Editora)

Desencontro

Hoje,

não te consigo dizer nada.


Esforço-me.

Não consigo pensar.


Perco-me no desejo de te falar,

luto com as palavras

sem chegar a soletrá-las.

 

Vejo-te

sem palavras,

à espera que me ajudes.

 

Perturbado pelo silêncio,

caio num sono profundo,

esquecido

de que tenho de acordar.

 

(Poema in (Re)cantos da Lua, publicado em Dezembro de 2006, pela Magda Editora)


Mortais Pecados

Olho-me ao espelho, debruado a talha

luminosamente esculpida, dourada,

e pergunto-me pelo espanto das respostas,

na assumida personagem de rainha má:


quem sou, para o que dou, quem me dá?

 

Miro-me na volumetria das imagens,

cobertas por peles enrugadas,

vincadamente marcadas por exageros expressivos:

choros entre risos,

plantados nos ansiosos ritmos do tempo.

 

Profundos e negros pontos,

poros de milimétricos diâmetros,

sombras cinzentas,

castanhos pêlos,

brancas perdidas entre cabelos.

Perfil de raiz de grega,

boca carnuda, gretada de secura,

sedenta de saudosos e sugados beijos,

de línguas entrelaçadas,

lambidelas bem salivadas.

 

Contemplo-me, fixado no meu próprio olhar,

de cor baça-tristeza.

Desfoco a máscara de pálido cansaço,

e não resisto ao embaraço de Narciso:


sou o deus que procurei

e amei em nome do milagre,

ou o mal que, de tanto me obrigar,

nunca reneguei.


Sou o miraculoso encantador a quem me dei,

ou a raposa velha, vaidosa, vestida de egoísta,

com estola de ovelha falsa, branca de altruísmo?


No meu lamento, a amargura por que matei:

sangrando, a vítima trucidei-a

no ranger dos molares,

saboreei com as gustativas variados paladares,

viciado no prazer da gula,

como instintivo porco;

omnívoro.

 

Rezo baixinho, cantarolando

beatas ladainhas de pecador,

que rouba e se perdoa

a cem anos de encarceramento.

 

No aliciamento cobiçante por belas coxas,

pertença de quem constantemente me enfrenta,

competindo com as mesmas forças,

traio-me na ilusão do possuir.

Viradas as costas,

acabamos sempre por fingir.

 

Entendo velhos e sábios ditados,

não os querendo surdinar em consciência.

Penso-me grande demais,

para que outros me entendam

como simples mortal.

 

Minha é a lúcida certeza

de querer enganar

e vencer.

 

Sadicamente esbofeteio rechonchuda face

do idealista tímido,

que acredita e se deixa humilhar;

oferece a outra

para também a avermelhar.

 

Vendo-me a infinitas riquezas, elegantes:

luxúrias terrenas, orgias, bacantes incestuosas,

sedas, glamour, jóias preciosas,

tudo o que ostente marca,

que pavoneie 

a suposta profundidade de minha alma.

Ah, Ah, Ah!

 

Salvas rebuscadas, brilhantes, de prata, pesadas,

riscadas de branco e fino pó.

Prostituo-me ao preço da mais-valia.

Excita-me de travesti Madalena,

e ter um guru que me defume, benza e perdoe,

sem que me caia

uma pedra na cauda.

 

Adoro o teatro espectacular,

ensaiado e encenado na vida,

mas faço sempre de pobre amador,

sendo um resistente actor.


Escancaro a garganta para trautear,

sem saber, nem sequer, solfejar,

gargarejo a seiva da videira,

que me escorre pelo escapismo do engano.

Quero audaciosamente brilhar,

descontrolando o encarrilhar do instrumento das cordas da glote,

com o do fole pulmonar,

e desafino o doce e melódico hino.

 

Sou, no vedetismo, a mediocridade

que se desfaz com o tempo,

até ser capaz de timbrar

sem ser pateado.

 

Acelero nas viagens que vêm até mim,

fujo do lento, travo demais.

Curvas perigosas, apertadas;

adrenalina na fronteira do abismo.


Fumo, bebo em excesso,

e converso banalidades entre ondas móveis

que me encurtam a pomposa solidão,

mas nada é em vão.

 

Tenho, na dicção, um tom vibrado e estudado,

e digo bem as palavras que sinto,

mas premeditadamente minto,

e digo de propósito sempre o errado.


Sou mal-educado, demasiado carente, enfadonho,

ressono e grunho durante o sono.

Tenho sempre o apressado intuito do saber,

de querer arrogantemente chamar a atenção,

por me achar condignamente o melhor, um senhor,

sem noção do ridículo,

nem da razão.

 

Digo não, quando deveria pronunciar sim;

teimosamente rancoroso, tolo, alucinado, perverso, mal-humorado.

Vejo em tudo a maldade do pecado.

Digo não, quando deveria embelezar a afirmação,

minto, digo, desdigo-me.


Mas fiz a gloriosa descoberta do meu crescer:

 

tenho uma única virtude verdadeira:

alguém paciente

gosta muito de mim.

 

Obrigado.

 

Tenho de descansar.



(Poema in (Re)cantos da Lua, publicado em Dezembro de 2006, pela Magda Editora)