Há cantos que não se ouvem, só se sentem,
em pulsações que atravessam a espinha do mundo.
No ventre do sal, algo antigo desperta:
um círculo de bolhas,
como um olho que se abre devagar.
Elas vêm de antes da memória,
de quando a Terra ainda sonhava em silêncio
e não têm espadas, nem bandeiras,
mas a sua guerra é outra:
manter viva a harmonia do azul.
Cada bolha é uma sílaba sagrada,
cada gesto, um alfabeto líquido
e a quem as vê,
não com os olhos,
mas com o coração disposto,
elas dizem:
“Lembrai-vos do pacto.”
“Não sois donos disto,
sois parte disto.”
“Tudo o que ferem, ferirá também o vosso sangue.”
“Mas se amardes, ainda pode florescer o canto.”
E sobem as bolhas;
frágeis, perfeitas, fugazes,
como orações esquecidas a regressar ao céu.
(Este poema foi inspirado na descoberta recente de que
baleias-jubarte formam círculos de bolhas apenas na presença de humanos, um
possível gesto de comunicação. Através de linguagem simbólica, o poema sugere
que esses seres ancestrais tentam alertar-nos para os desequilíbrios que
causamos na natureza e recordam-nos o pacto esquecido entre a humanidade e o
planeta.)
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