Não é Deus que vos guia,
é a pólvora das escrituras mal lidas
e a sede de solo como se a terra fosse vossa mãe
violada
com selo de herança e jus divino.
Desçam do monte,
que os vossos filhos matam filhos de ninguém,
com dedos nos gatilhos e olhos cegos de glória.
O cordeiro degolado na faixa de Gaza
não vos devolve o reino, nem a paz.
Escolhestes ser povo eleito
não para amar,
mas para excluir.
Escolhestes ser memória
não para lembrar,
mas para vingar.
Escolhestes ser ferida
não para sarar,
mas para abrir outra vez,
em pele alheia.
E aos que vos aplaudem,
não lhes falte o espelho:
não há Messias que venha resgatar os cúmplices
quando as escolas se tornam ossários
e o silêncio é arma mais cortante que a lâmina.
Dizei o nome das crianças que tombaram,
antes de citar o Êxodo.
Contai os brinquedos esmagados nos escombros
antes de vos servirdes do Levítico.
E vede: o anjo da morte
não distingue genealogias.
Nenhum povo é eleito,
quando elege matar.
(Este poema é um libelo contra a perversão do sagrado.
Escrito após a divulgação dos dados da UNICEF no
Conselho de Segurança da ONU (Julho de 2025), que denunciam a morte média de 28
crianças por dia em Gaza, o texto confronta a ideologia que se escuda num
suposto estatuto de “povo eleito” para justificar o injustificável.
Não se trata de atacar uma religião, etnia ou herança
cultural, trata-se de recusar que a dor de uns sirva de licença para infligir a
morte a outros.)
Trata-se de recordar que nenhum Deus digno desse nome
legitima a matança de inocentes, a destruição de escolas, a perpetuação do
trauma como instrumento de domínio.
Quando o sagrado é usado como munição, a poesia
ergue-se como testemunha.
E ao contrário dos mísseis, ela não erra o alvo: fala
ao coração humano, onde ainda houver consciência.)
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