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terça-feira, 5 de agosto de 2025

Aos Que Se Chamam Eleitos / J.M.J.

Não é Deus que vos guia,

é a pólvora das escrituras mal lidas

e a sede de solo como se a terra fosse vossa mãe violada

com selo de herança e jus divino.

 

Desçam do monte,

que os vossos filhos matam filhos de ninguém,

com dedos nos gatilhos e olhos cegos de glória.

O cordeiro degolado na faixa de Gaza

não vos devolve o reino, nem a paz.

 

Escolhestes ser povo eleito

não para amar,

mas para excluir.

Escolhestes ser memória

não para lembrar,

mas para vingar.

Escolhestes ser ferida

não para sarar,

mas para abrir outra vez,

em pele alheia.

 

E aos que vos aplaudem,

não lhes falte o espelho:

não há Messias que venha resgatar os cúmplices

quando as escolas se tornam ossários

e o silêncio é arma mais cortante que a lâmina.

 

Dizei o nome das crianças que tombaram,

antes de citar o Êxodo.

Contai os brinquedos esmagados nos escombros

antes de vos servirdes do Levítico.

E vede: o anjo da morte

não distingue genealogias.

 

Nenhum povo é eleito,

quando elege matar.

 

 

 

 

(Este poema é um libelo contra a perversão do sagrado.

Escrito após a divulgação dos dados da UNICEF no Conselho de Segurança da ONU (Julho de 2025), que denunciam a morte média de 28 crianças por dia em Gaza, o texto confronta a ideologia que se escuda num suposto estatuto de “povo eleito” para justificar o injustificável.

Não se trata de atacar uma religião, etnia ou herança cultural, trata-se de recusar que a dor de uns sirva de licença para infligir a morte a outros.)

Trata-se de recordar que nenhum Deus digno desse nome legitima a matança de inocentes, a destruição de escolas, a perpetuação do trauma como instrumento de domínio.

Quando o sagrado é usado como munição, a poesia ergue-se como testemunha.

E ao contrário dos mísseis, ela não erra o alvo: fala ao coração humano, onde ainda houver consciência.)

 

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