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terça-feira, 5 de agosto de 2025

Antes do Ar / J.M.J.

Antes do ar, havia água morna.

Um tambor distante, batia, batia.

Eu era um peixe lento num mar fechado,

e o mundo era um ventre de silêncio redondo.

 

Mas algo apertava;

um laço, uma sombra enrolada no pescoço.

A luz por vir era uma lâmina,

o futuro, um corte,

a vida, um susto.

 

Nasci roxo,

não de cor, mas de susto contido.

Trazia o medo em volta do corpo

como quem traz o próprio nome por dentro,

sem ainda o saber dizer.

 

Gritei sem crer que era grito,

a boca abriu-se para a dor antes do ar.

Desde então,

às vezes, sem aviso, o mundo estreita,

como se as paredes voltassem a fechar-se

e o cordão ainda dançasse à volta da garganta.

 

Mas respiro,

respiro com a memória de quem já afundou sem se afogar,

respiro com a coragem de quem nasceu de um nó

e cada sopro é uma vitória não dita

sobre um medo antigo,

sem rosto,

mas com um nome:

eu.

 

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