Nem toda a vida se mede em passos,
nem toda a alma se mostra no olhar.
Há existências que respiram no silêncio,
longe do tempo que corre e do mundo que exige.
Chamam-lhe sombra, fim,
porque não canta, não responde,
não constrói como antes.
Mas quem somos nós
para dizer o que é viver?
Talvez exista um fogo invisível
que só arde dentro,
um caminho que não se vê
mas que é trilhado em quietude.
Talvez a consciência se liberte
quando o corpo já não a prende,
e o que julgamos ausência
seja outra forma de presença.
Há quem aprenda de pé,
e quem ensine deitado,
e há jornadas que se fazem sem movimento,
e voos que não deixam rasto.
O mistério não se explica,
sente-se
e a compaixão
é saber ficar
mesmo quando não entendemos.
Porque a vida
não se define pela forma,
mas pela luz
com que ainda toca o mundo.
(Este poema nasce da reflexão sobre o valor da vida
para além das aparências, das funções e das formas convencionais de presença.
Muitas vezes olhamos para certas existências com pena, como se estivessem
suspensas, perdidas ou incompletas, apenas porque não respondem aos padrões
daquilo que consideramos uma “vida plena”.
Mas nem sempre aquilo que não compreendemos é
ausência. Há formas de consciência, de caminho ou de missão que escapam ao
nosso entendimento imediato. Este poema é um apelo à humildade diante do
mistério da vida e da alma, mesmo quando o corpo já não se move ou não se
exprime.
É também um convite a cultivar uma compaixão sem
juízo, a lembrar que a dignidade de viver não se esgota na utilidade, nem na
visibilidade. Porque às vezes, no silêncio e na imobilidade, uma alma continua
a tocar o mundo de maneiras que não conseguimos nomear.)
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