Não é Gaza apenas,
é o limiar do tempo que se rasga.
O que se decide hoje,
não é território,
mas memória e futuro,
a forma como os olhos dos filhos hão de nascer,
cegos ou abertos à luz da compaixão.
A areia de Gaza não é chão,
é carne,
é infância suspensa em estilhaços,
é pão que nunca chega,
é água que se esvai da boca dos justos.
E tu, que ouves
entre prédios quebrados e promessas ocidentais,
sabes que os mapas foram sempre armas
e que a ocupação de um povo
é a ocupação de todos os povos.
Mas o céu sabe mais do que os homens,
grava tudo em silêncio:
as mães que gritam,
as palavras caladas nas gargantas dos poetas.
O céu escuta
quando ninguém mais quer escutar.
Não é a morte que nos espanta,
mas o hábito dela,
a normalização do inferno.
Não é só Netanyahu que decide,
são os que aplaudem,
os que se calam,
os que dizem “é complexo”, enquanto corpos são
empilhados.
Mas hoje,
alguém escreve
com os dedos feridos da alma.
Alguém diz
com todas as letras do cosmos:
basta.
Não mais em meu nome,
não mais com a desculpa de um Deus,
não mais com o silêncio dos justos.
Este poema não detém exércitos,
mas pode despertar soldados adormecidos por dentro,
pode ser semente na alma de uma criança que
sobreviveu,
pode ser ponte invisível entre o desespero e a fé.
Seja ele canto, memória ou testemunho,
que fique
para quando o mundo tiver vergonha do que fez
e alguém precisar de lembrar:
houve quem amasse.
(Escrevi este poema no dia em que o governo israelita,
liderado por Benjamin Netanyahu, se preparava para decidir a possível ocupação
total de Gaza, uma decisão com implicações humanas, políticas e espirituais
devastadoras, não apenas para os palestinianos, mas para toda a humanidade.
Este texto não é uma tomada de partido, mas uma tomada
de consciência.
É um apelo ao bom senso, à memória, à empatia.
Quando um povo é privado do seu chão, da sua água, do
seu direito a existir com dignidade, não estamos perante uma questão
geopolítica, estamos perante uma falência ética.
A fronteira que queima hoje não separa apenas Israel
da Palestina, separa o humano do inumano, a justiça do cinismo, o futuro da
barbárie.
Que este poema seja lido como se escutam os gritos
abafados das mães, as palavras caladas dos poetas, os olhos das crianças que
ainda não aprenderam a odiar.
Se ainda houver tempo para mudar o curso da história,
que seja agora.
Se ainda houver um lugar onde plantar o Amor, que seja
na consciência de cada um.)
7 de Agosto de 2025
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