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terça-feira, 9 de março de 2010

Mortais pecados





Olho-me ao espelho debruado a talha
Luminosamente esculpida dourada 
E pergunto-me pelo espanto das respostas
Na assumida personagem de rainha má
Quem sou para o que dou quem me dá
Miro-me na volumetria das imagens
Cobertas por peles enrugadas
Vincadamente marcadas por exageros expressivos
De choros por entre risos
Plantados nos ansiosos ritmos do tempo

Profundos e negros pontos
Poros de milimétricos diâmetros
Sombras cinzentas
Castanhos pêlos
Brancas perdidas entre cabelos
Perfil de perfeita raiz de grego
Boca carnuda gretada de secura
Sedenta de saudosos e sugados beijos
De línguas entrelaçadas
lambidelas bem salivadas

Contemplo-me fixado no meu próprio olhar
De cor baça tristeza
Desfocando a máscara de pálido cansaço
E não resisto ao embaraço de narciso
Sou o deus que procurei e amei em cumprimento do milagre
Ou o mal que de tanto me obrigar não reneguei  

Sou o miraculoso encantador a quem me dei
Ou a raposa velha vaidosa vestida de egoísta
Com estola de alva ovelha falsa de altruísta

No meu lamento a amargura por que matei
Sangrando a vítima trucidei-a num ranger de molares
Saboreei com as gustativas variados paladares
Viciado no prazer da gula
Como instintivo porco
Omnívoro

Rezo baixinho cantarolando
Beatas ladainhas de pecador
Que rouba e se perdoa
A cem anos de encarceramento

No aliciamento cobiçante por belas coxas
Pertença de quem constantemente me enfrenta
Competindo com as mesmas forças
Traindo-me na existência de meu possuir
Viradas as costas acabamos sempre por fingir

Entendo velhos e sábios ditados
Não os querendo surdinar em consciência
Penso de mim a importância demais
Que outros possam entender
Como comuns mortais

Minha é a inteligente certeza
De querer enganar e vencer

Sadicamente esbofeteio rechonchuda face
De idealista tímido
Que acredita e se deixa humilhar
Dá-me a outra para também a avermelhar

Vendo-me a infinitas e elegantes riquezas
Luxúrias terrenas orgias bacantes incestuosas
Sedas glamour jóias preciosas
O que tenha etiqueta de marca
Marcantemente conotada
Que pavoneie a intensa profundidade de minha alma
Ah Ah

Salvas rebuscadas brilhantes de prata pesadas
Riscadas de branco e fino pó
Prostituo-me ao preço da mais valia
Excita-me de travesti Madalena
Ter um guru para me defumar benzer e perdoar
Sem que me caia uma pedra na cauda

Adoro o teatro espectacular
Encenado e ensaiado em vida
Mas faço sempre de pobre amador
Sendo um resistente actor

Escancaro a garganta para trautear
Sem saber nem sequer solfejar
E gargarejo a seiva da videira
Que me escorre pelo escapismo de meu engano
Querendo audaciosamente brilhar
Descontrolando o encarrilhar do instrumento das cordas da glote
Com o do fole pulmonar
E desafino o doce e melódico hino

Sou no vedetismo a mediocridade
Que se desfaz com o tempo
Até ser capaz de timbrar sem ser pateado
Acelero nas viagens que caminham até mim
Fujo do lento e travo demais
Curvas perigosas apertadas
Que me adrenalina na fronteira do abismo
Fumo bebo em excesso
E converso temas banais por entre ondas móveis
Que me encurtam a pomposa solidão
Mas nada é em vão

Tenho na dicção um tom vibrado e estudado
De dizer bem as palavras que sinto
Mas premeditadamente minto
E digo de propósito sempre o errado

Sou mal-educado demasiado carente enfadonho
Que ressona e grunhe durante o sono
Tenho sempre o apressado intuito do saber
De querer arrogantemente chamar a atenção
Por me achar condignamente o melhor um senhor
Sem noção do que é a razão e o ridículo

Digo não quando deveria pronunciar sim
Teimosamente rancoroso tolo alucinado perverso mal-humorado
Vejo em tudo a maldade do pecado
Digo não quando deveria embelezar a afirmação 

Minto digo e desfaço-me propositadamente em negação

Mas fiz a gloriosa descoberta do meu crescer
Tenho uma virtuosa e única qualidade
Alguém paciente gosta muito de mim

Obrigado

Tenho que descansar


João M. Jacinto

in
(Re)cantos da Lua

1 comentário:

  1. Acabo de conhecer o seu blog... muito bom. Voltarei mais vezes...
    Gostei de suas palavras...

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