Meditação do Nome Interior
Há um som anterior à voz,
um murmúrio que nunca foi pronunciado.
É a vibração que te sustenta
antes de teres forma.
Sente-a agora,
não no pensamento,
mas no ponto onde o peito se abre
e o ar entra por dentro do ser.
Não procures palavras:
procura o ritmo,
o tom que te acalma,
o eco que te reconhece.
Talvez venha como luz,
ou som sem sentido,
ou lembrança antiga sem origem certa.
Não a forces;
o nome não se descobre,
recorda-se.
Permanece no silêncio,
sente o corpo como parte da Terra,
a Terra como parte do infinito.
E quando algo vibrar,
leve, quase impercetível,
sorri.
Não tentes agarrar,
apenas reconhece:
aqui estou.
Epístola ao Nome Interior
Há um nome que ninguém te deu,
mas que vibra em ti desde o princípio.
Não é dito pela boca,
nem escrito em língua alguma,
é som que antecede o verbo,
respiração que conhece o mundo antes de nascer.
Esse nome não se busca, escuta-se,
surge quando o ser se despe do que é provisório:
quando o gesto não tem intenção,
e o olhar já não tenta compreender.
Então, o que foste e o que és
tocam-se num mesmo ponto.
O nome interior é uma frequência,
não te pertence:
tu é que pertences a ela.
Quando o pronuncias sem som,
o universo responde,
porque nele habita o eco
de tudo o que respira.
Muitos vivem sem o ouvir,
traduzindo-se em títulos e aparências,
mas há os que, em silêncio,
sentem a vibração discreta que os chamam de volta.
Não regressam ao passado, regressam à origem.
E quando o nome se revela,
nada mais é preciso afirmar,
toda a tua presença será palavra,
e todo o gesto, oração.
O nome interior é o centro imóvel
de onde parte,
e para onde retorna, o teu ser.
Escuta-o na respiração,
no intervalo entre pensar e sentir,
no instante em que o tempo
deixa de ter pressa.
Aí estás,
sem nome,
e finalmente nomeado.
A Escuta do Reflexo
Prepara-te para ouvir o mundo.
Durante um instante, esquece o que é teu:
o corpo, o nome, o tempo.
Fica apenas como uma superfície atenta,
um espelho sem imagem.
Escolhe a hora em que o ruído diminui,
pode ser o nascer do sol,
a noite profunda,
ou o instante antes da chuva.
O essencial é que sintas
o mundo a suspender a respiração contigo.
Abre-te à coincidência
e escuta o que surge:
um som, uma frase perdida,
o canto breve de um pássaro,
um verso esquecido num livro.
Tudo pode ser eco, reflexo, resposta.
Não procures entender de imediato.
O nome interior raramente fala em palavras,
ele vibra, arrepia, silencia,
ou faz o tempo parar
por um breve segundo;
esse é o sinal.
Agradece e deixa ir.
O nome virá quando for tempo,
às vezes em sonho,
ou na natureza,
ou pela voz de alguém
que fala sem saber o que te diz.
(Estes três poemas nascem da escuta do invisível, da tentativa de ouvir o
som que antecede todas as palavras. Mais do que uma busca espiritual,
são um exercício de desaprendizagem: abandonar o ruído das formas, das
certezas e dos nomes que o mundo impõe. “O Som Antes do Verbo” é o regresso à
vibração que nos sustenta, ao ponto onde o ser e o silêncio se reconhecem como
um só. Cada poema é um espelho dessa travessia, entre o humano e o eterno, entre
o que fala e o que simplesmente é.)
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