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sábado, 8 de novembro de 2025

O Som Antes do Verbo

Meditação do Nome Interior

 

Há um som anterior à voz,

um murmúrio que nunca foi pronunciado.

É a vibração que te sustenta

antes de teres forma.

 

Sente-a agora,

não no pensamento,

mas no ponto onde o peito se abre

e o ar entra por dentro do ser.

 

Não procures palavras:

procura o ritmo,

o tom que te acalma,

o eco que te reconhece.

 

Talvez venha como luz,

ou som sem sentido,

ou lembrança antiga sem origem certa.

 

Não a forces;

o nome não se descobre,

recorda-se.

 

Permanece no silêncio,

sente o corpo como parte da Terra,

a Terra como parte do infinito.

 

E quando algo vibrar,

leve, quase impercetível,

sorri.

Não tentes agarrar,

apenas reconhece:

aqui estou.

 

 

 

 

Epístola ao Nome Interior

 

Há um nome que ninguém te deu,

mas que vibra em ti desde o princípio.

Não é dito pela boca,

nem escrito em língua alguma,

é som que antecede o verbo,

respiração que conhece o mundo antes de nascer.

 

Esse nome não se busca, escuta-se,

surge quando o ser se despe do que é provisório:

quando o gesto não tem intenção,

e o olhar já não tenta compreender.

 

Então, o que foste e o que és

tocam-se num mesmo ponto.

O nome interior é uma frequência,

não te pertence:

tu é que pertences a ela.

 

Quando o pronuncias sem som,

o universo responde,

porque nele habita o eco

de tudo o que respira.

 

Muitos vivem sem o ouvir,

traduzindo-se em títulos e aparências,

mas há os que, em silêncio,

sentem a vibração discreta que os chamam de volta.

Não regressam ao passado, regressam à origem.

 

E quando o nome se revela,

nada mais é preciso afirmar,

toda a tua presença será palavra,

e todo o gesto, oração.

 

O nome interior é o centro imóvel

de onde parte,

e para onde retorna, o teu ser.

 

Escuta-o na respiração,

no intervalo entre pensar e sentir,

no instante em que o tempo

deixa de ter pressa.

 

Aí estás,

sem nome,

e finalmente nomeado.

 

 

 

 

A Escuta do Reflexo

 

Prepara-te para ouvir o mundo.

Durante um instante, esquece o que é teu:

o corpo, o nome, o tempo.

Fica apenas como uma superfície atenta,

um espelho sem imagem.

 

Escolhe a hora em que o ruído diminui,

pode ser o nascer do sol,

a noite profunda,

ou o instante antes da chuva.

O essencial é que sintas

o mundo a suspender a respiração contigo.

 

Abre-te à coincidência

e escuta o que surge:

um som, uma frase perdida,

o canto breve de um pássaro,

um verso esquecido num livro.

Tudo pode ser eco, reflexo, resposta.

 

Não procures entender de imediato.

O nome interior raramente fala em palavras,

ele vibra, arrepia, silencia,

ou faz o tempo parar

por um breve segundo;

esse é o sinal.

 

Agradece e deixa ir.

O nome virá quando for tempo,

às vezes em sonho,

ou na natureza,

ou pela voz de alguém

que fala sem saber o que te diz.

 

 

 

(Estes três poemas nascem da escuta do invisível, da tentativa de ouvir o som que antecede todas as palavras. Mais do que uma busca espiritual,

são um exercício de desaprendizagem: abandonar o ruído das formas, das certezas e dos nomes que o mundo impõe. “O Som Antes do Verbo” é o regresso à vibração que nos sustenta, ao ponto onde o ser e o silêncio se reconhecem como um só. Cada poema é um espelho dessa travessia, entre o humano e o eterno, entre o que fala e o que simplesmente é.)

 

 

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