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terça-feira, 4 de novembro de 2025

Alma Cansada (Meditação sobre o Fogo e o Silêncio)

Na antiga era, o homem era um servo,

obedecia à voz do amo.

Hoje, o amo habita dentro dele:

o chicote transformou-se em espelho,

e o reflexo sussurra: brilha mais.

 

O sol, desejando luz, consome-se.

O sujeito de desempenho é esse sol:

queimando-se para iluminar o vazio.

Confunde liberdade com combustão,

e o seu fogo já não aquece, apenas cansa.

 

Construímos templos sem deuses,

mas com relógios.

O tempo deixou de ser respiração,

é contagem.

E cada segundo é uma oferenda

ao altar invisível do sucesso.

 

Não há sacerdotes, nem fiéis,

apenas máquinas humanas

que rezam em silêncio

a oração do ainda não é suficiente.

 

Há um cansaço que não vem do corpo,

mas da alma que perdeu o repouso.

Esse cansaço é o novo véu do mundo,

torna tudo opaco,

até o amor.

 

Mas o tédio, esse deserto esquecido,

é também o jardim do espírito,

e nele germinam pensamentos que não nascem sob pressão.

Só quem aceita o tédio

reencontra o mistério do ser.

 

O ócio é uma forma de oração

num mundo que esqueceu o sagrado.

Porque a sociedade do cansaço

é a sociedade que perdeu o descanso da alma.

 

E talvez a cura esteja no silêncio:

no tempo lento, no não-fazer,

no simples respirar

de quem recorda

que ser

não é o mesmo que produzir.

 

 

(Poema inspirado nas ideias de Byung-Chul Han, em “A Sociedade do Cansaço”. Uma meditação poética sobre o excesso, o esgotamento e o regresso ao silêncio.)

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