Na antiga era, o homem era um servo,
obedecia à voz do amo.
Hoje, o amo habita dentro dele:
o chicote transformou-se em espelho,
e o reflexo sussurra: brilha mais.
O sol, desejando luz, consome-se.
O sujeito de desempenho é esse sol:
queimando-se para iluminar o vazio.
Confunde liberdade com combustão,
e o seu fogo já não aquece, apenas cansa.
Construímos templos sem deuses,
mas com relógios.
O tempo deixou de ser respiração,
é contagem.
E cada segundo é uma oferenda
ao altar invisível do sucesso.
Não há sacerdotes, nem fiéis,
apenas máquinas humanas
que rezam em silêncio
a oração do ainda não é suficiente.
Há um cansaço que não vem do corpo,
mas da alma que perdeu o repouso.
Esse cansaço é o novo véu do mundo,
torna tudo opaco,
até o amor.
Mas o tédio, esse deserto esquecido,
é também o jardim do espírito,
e nele germinam pensamentos que não nascem sob pressão.
Só quem aceita o tédio
reencontra o mistério do ser.
O ócio é uma forma de oração
num mundo que esqueceu o sagrado.
Porque a sociedade do cansaço
é a sociedade que perdeu o descanso da alma.
E talvez a cura esteja no silêncio:
no tempo lento, no não-fazer,
no simples respirar
de quem recorda
que ser
não é o mesmo que produzir.
(Poema inspirado nas ideias de Byung-Chul Han, em “A Sociedade do Cansaço”.
Uma meditação poética sobre o excesso, o esgotamento e o regresso ao silêncio.)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.