Nas dunas inclinadas,
há oitenta mil anos,
um homem robusto,
uma criança curiosa,
um bebé de passos incertos
marcaram a areia.
O vento não apagou tudo.
O mar não levou tudo.
Ficaram vestígios,
janelas abertas no tempo,
um instante em que a vida respirava.
Não caçavam apenas mamutes
em desertos gelados,
como nos ensinaram.
Eles corriam na areia,
olhavam o horizonte azul,
caçavam veados e cervos,
e quebravam conchas
para provar o sal do mundo.
Ali havia um lar,
um acampamento invisível,
um fogo talvez,
a voz de uma mãe
chamando a filha de volta,
o olhar de um pai
ensinando o caminho.
As pegadas não mentem:
dizem-nos que não estavam sós,
dizem-nos que pensavam juntos,
que cuidavam uns dos outros,
que encontravam no mar
o mesmo alimento
que ainda hoje nos chama.
E nós,
tantos séculos depois,
lemos esses sinais como espelhos.
Descobrimos que a distância é ilusória:
o tempo dobra-se,
e um bebé neandertal
ainda caminha entre nós.
(Este poema inspira-se em descobertas recentes sobre
pegadas de neandertais encontradas na costa portuguesa, com cerca de 80 mil
anos. Mais do que marcas na areia, são fragmentos vivos de rotinas familiares,
de sobrevivência e de adaptação ao mar e às dunas. Estes vestígios
aproximam-nos dos nossos parentes extintos, mostrando que a sua vida era
diversa, inteligente e cheia de humanidade, desafiando as imagens tradicionais
que aprendemos a associar-lhes.)
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