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terça-feira, 30 de setembro de 2025

Pegadas

Nas dunas inclinadas,

há oitenta mil anos,

um homem robusto,

uma criança curiosa,

um bebé de passos incertos

marcaram a areia.

 

O vento não apagou tudo.

O mar não levou tudo.

Ficaram vestígios,

janelas abertas no tempo,

um instante em que a vida respirava.

 

Não caçavam apenas mamutes

em desertos gelados,

como nos ensinaram.

Eles corriam na areia,

olhavam o horizonte azul,

caçavam veados e cervos,

e quebravam conchas

para provar o sal do mundo.

 

Ali havia um lar,

um acampamento invisível,

um fogo talvez,

a voz de uma mãe

chamando a filha de volta,

o olhar de um pai

ensinando o caminho.

 

As pegadas não mentem:

dizem-nos que não estavam sós,

dizem-nos que pensavam juntos,

que cuidavam uns dos outros,

que encontravam no mar

o mesmo alimento

que ainda hoje nos chama.

 

E nós,

tantos séculos depois,

lemos esses sinais como espelhos.

Descobrimos que a distância é ilusória:

o tempo dobra-se,

e um bebé neandertal

ainda caminha entre nós.

 

 

(Este poema inspira-se em descobertas recentes sobre pegadas de neandertais encontradas na costa portuguesa, com cerca de 80 mil anos. Mais do que marcas na areia, são fragmentos vivos de rotinas familiares, de sobrevivência e de adaptação ao mar e às dunas. Estes vestígios aproximam-nos dos nossos parentes extintos, mostrando que a sua vida era diversa, inteligente e cheia de humanidade, desafiando as imagens tradicionais que aprendemos a associar-lhes.)

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